Não é nome de filme ou livro, mas tem muito a ver com a esclerose múltipla, uma doença crónica associada à substância branca do sistema nervoso e de cujas causas se conhece ainda pouco.
Calcula-se que haja em Portugal cerca de cinco mil doentes, mais mulheres do que homens, numa proporção de três para dois. Em todos a doença interfere com a capacidade do sistema nervoso central de controlar funções como a visão, a locomoção e o equilíbrio.
E tudo tem a ver com a mielina, uma substância branca que envolve as fibras nervosas e que não funciona correctamente nas pessoas que sofrem de esclerose múltipla. Vejamos como tudo acontece.
O sistema nervoso central é constituído pelo cérebro e pela espinal medula, funcionando como uma espécie de computador ou de central de comandos. É através dele que conseguimos captar as mensagens do mundo que nos rodeia - mensagens tão básicas como ouvir, ver, cheirar, saborear e sentir. É também ele que tem a responsabilidade de coordenar as nossas actividades, das conscientes às inconscientes - andar, falar, pensar, recordar...
Fazemo-lo de uma forma reflexa precisamente porque o sistema nervoso central se encarrega de enviar para as diferentes partes do nosso corpo as respectivas mensagens eléctricas e químicas, de que os nervos são os mensageiros. São eles que compõem o sistema nervoso periférico: a eles se deve a nossa comunicação interna na forma de impulsos eléctricos que, uma vez interpretados, nos permitem realizar cada acção e coordenar as diversas funções necessárias para essa acção.
No sistema nervoso existem células nervosas, de uma tonalidade cinzenta, ligadas entre si e ao resto do corpo por fibras nervosas chamadas axónios. Através deles são emitidos os sinais eléctricos que permitem a comunicação intracelular. A envolvê-los têm uma substância gorda esbranquiçada, a mielina, que funciona como uma camada protectora e de isolamento e que acelera a transmissão da informação do cérebro ao resto do corpo ou de uma parte específica do corpo ao tal computador central.
Quando se sofre de esclerose múltipla há algo de errado com esta substância branca: numa primeira fase, instalam-se pequenos focos de inflamação, numa fase mais avançada vai começando a desfazer-se. Esta é a diferença em relação às pessoas saudáveis. É à volta dos vasos sanguíneos que alimentam o sistema nervoso que ocorre a inflamação, fazendo com que o sangue liberte células e fluidos e, em consequência, causando edema. É então que se inicia o processo de perda progressiva de mielina, causando dificuldades na passagem da informação através das fibras nervosas.
Quando a inflamação desaparece, o sistema nervoso pode ser reparado e a mielina reconstituída. Mas acontece, em muitos casos, que essa recuperação não é completa, podendo ficar no sistema nervoso uma espécie de cicatriz - a esclerose.
É o que se passa quando a inflamação atinge uma área mais vasta, desenrolando-se aqui também um processo gradual de desmielinização - a camada de substância branca é atacada pelas células inflamatórias, ficando cada vez mais finas e tornando cada vez mais difícil o seu papel de transmitir os impulsos eléctricos. Nos casos mais sérios, pode ocorrer mesmo um bloqueio dessa informação e a destruição de fibras nervosas.
Perder o controlo do corpo
A esclerose múltipla afecta pessoas de todas as idades, mas é normalmente entre os 20 e os 40 anos que se manifestam os primeiros sinais.
A partir daí a evolução da doença é muito variável, dependendo da gravidade da inflamação e do ritmo a que a mielina se deteriora. Há sintomas que vão e vêm, sem razão aparente: são os surtos, seguidos de períodos de remissão. Nalguns casos, há um regresso completo ao estado anterior, noutros há sintomas que persistem durante várias semanas. E há ainda situações que se caracterizam por uma progressão gradual dos sintomas, com uma perda igualmente gradual do controlo sobre as funções do corpo, sem que se observem melhorias.
Perder o controlo do corpo é, de facto, a característica externa mais evidente da esclerose múltipla. Em consequência da dificuldade ou bloqueio na passagem da informação em determinados circuitos nervosos, há funções que vão sendo afectadas - a visão, o equilíbrio e a locomoção são das funções mais prejudicadas.
Com frequência ocorre inflamação do nervo óptico, o que causa visão turva e embaciada, mas também dor, sobretudo quando se roda o olho. Os dois primeiros dias são mais críticos, tendendo a inflamação a desaparecer após várias semanas, embora a recuperação não seja completa. É por isso que, num quadro de stress, de cansaço ou de febre, a visão pode turvar-se novamente, sem que isso corresponda a novo surto de esclerose múltipla.
A função motora é uma das principais vítimas desta doença, o que se explica pelo facto de o sistema nervoso conter um grande número de fibras que controlam os movimentos.
O que acontece é que há uma perda da força muscular nos braços e nas pernas, a qual pode oscilar entre dificuldade em mover os dedos até à paralisia. Pode mesmo não haver possibilidade de recuperação. Os membros inferiores são mais afectados, pelo que é comum o recurso a auxiliares de marcha (uma bengala, muletas ou até cadeira de rodas).
Agarrar pequenos objectos pode ser uma tarefa árdua para os doentes escleróticos: este cenário significa que a inflamação se instalou no cerebelo, a parte do cérebro que controla o equilíbrio e a coordenação de movimentos. Resultado: as mãos tremem, os passos são atabalhoados.
E quando são danificadas as fibras nervosas que comandam o tacto é como se houvesse uma sensação de encortiçamento nas pernas, parecendo que se caminha sobre algodão. Formigueiro, picadas, corpo dormente são outras das consequências possíveis.
Entre os músculos afectados pontuam os da bexiga e dos intestinos, dois órgãos que estes doentes têm dificuldade em controlar. Assim, sentem com frequência aquilo a que se chama urgência urinária - a necessidade de expelir a urina aos primeiros sinais de que a bexiga está cheia. E, como têm pouca mobilidade, podem sofrer também de obstipação.
A dor acompanha a esclerose múltipla: nos músculos das costas e das pernas, devido à dificuldade em caminhar, nas pernas e nos braços devido à contractura dos respectivos músculos, bem como na face.
Fadiga, dificuldades em pensar e em recordar, alterações de humor e disfunções sexuais completam este quadro de sintomas da esclerose múltipla.
Viver com a doença é possível
A esclerose múltipla é uma doença crónica, o que significa que é para a vida. Não tem cura, mas não é fatal.
O tratamento existe e permite lidar com os surtos, embora não faça regredir a doença. Entre os medicamentos mais usados incluem-se os corticosteróides, devido à sua capacidade para combater a inflamação.
Têm, no entanto, efeitos secundários e não são adequados a todos os surtos.
Há mesmo alguns que requerem apenas repouso e paciência até que os sintomas diminuam.
Mais recentes são os interferões, proteínas libertadas pelo corpo quando ocorre uma inflamação e que contribuem, nomeadamente, para reduzir a inflamação. Diminuem, pois, a probabilidade de surtos, bem como a gravidade dos mesmos, além de atenuarem os danos na mielina.
O tratamento passa também por actuar sobre os sintomas específicos da esclerose múltipla, tais como o cansaço, a rigidez muscular, as alterações do tacto, as disfunções urinárias ou os problemas intestinais.
E é complementado com alguns cuidados que os doentes podem adoptar.
Assim, o repouso é essencial, de forma a poupar os músculos. Quem sofre de esclerose múltipla sabe que há dias em que qualquer esforço, por mínimo que seja, é sentido como hercúleo. E sabe também que a exaustão, tanto física como mental, pode contribuir para agravar o seu estado. Estes doentes devem, pois, ter consciência das suas limitações e não tentar ultrapassá-las.
Por ser uma doença de evolução imprevisível, a esclerose múltipla é geradora de muita ansiedade. Não raro os doentes deixam-se cair em depressão ou tornam-se intolerantes e agressivos para com os próximos.
Não raro também fogem do convívio social, isolando-se, porventura envergonhados pelo estado de dependência em que vão ficando.
A instabilidade comportamental mina as relações familiares e sociais, conduzindo, por vezes, a situações de um isolamento total. Daí que sejam aconselhados a procurar apoio ao nível da psicoterapia, daí também que as associações que os representam prestem aconselhamento às famílias e demais cuidadores. Pode ser difícil lidar com a esclerose múltipla, mas é possível e desejável não ceder às limitações que a doença impõe.
Fonte: FARMÁCIA SAÚDE
Calcula-se que haja em Portugal cerca de cinco mil doentes, mais mulheres do que homens, numa proporção de três para dois. Em todos a doença interfere com a capacidade do sistema nervoso central de controlar funções como a visão, a locomoção e o equilíbrio.
E tudo tem a ver com a mielina, uma substância branca que envolve as fibras nervosas e que não funciona correctamente nas pessoas que sofrem de esclerose múltipla. Vejamos como tudo acontece.
O sistema nervoso central é constituído pelo cérebro e pela espinal medula, funcionando como uma espécie de computador ou de central de comandos. É através dele que conseguimos captar as mensagens do mundo que nos rodeia - mensagens tão básicas como ouvir, ver, cheirar, saborear e sentir. É também ele que tem a responsabilidade de coordenar as nossas actividades, das conscientes às inconscientes - andar, falar, pensar, recordar...
Fazemo-lo de uma forma reflexa precisamente porque o sistema nervoso central se encarrega de enviar para as diferentes partes do nosso corpo as respectivas mensagens eléctricas e químicas, de que os nervos são os mensageiros. São eles que compõem o sistema nervoso periférico: a eles se deve a nossa comunicação interna na forma de impulsos eléctricos que, uma vez interpretados, nos permitem realizar cada acção e coordenar as diversas funções necessárias para essa acção.
No sistema nervoso existem células nervosas, de uma tonalidade cinzenta, ligadas entre si e ao resto do corpo por fibras nervosas chamadas axónios. Através deles são emitidos os sinais eléctricos que permitem a comunicação intracelular. A envolvê-los têm uma substância gorda esbranquiçada, a mielina, que funciona como uma camada protectora e de isolamento e que acelera a transmissão da informação do cérebro ao resto do corpo ou de uma parte específica do corpo ao tal computador central.
Quando se sofre de esclerose múltipla há algo de errado com esta substância branca: numa primeira fase, instalam-se pequenos focos de inflamação, numa fase mais avançada vai começando a desfazer-se. Esta é a diferença em relação às pessoas saudáveis. É à volta dos vasos sanguíneos que alimentam o sistema nervoso que ocorre a inflamação, fazendo com que o sangue liberte células e fluidos e, em consequência, causando edema. É então que se inicia o processo de perda progressiva de mielina, causando dificuldades na passagem da informação através das fibras nervosas.
Quando a inflamação desaparece, o sistema nervoso pode ser reparado e a mielina reconstituída. Mas acontece, em muitos casos, que essa recuperação não é completa, podendo ficar no sistema nervoso uma espécie de cicatriz - a esclerose.
É o que se passa quando a inflamação atinge uma área mais vasta, desenrolando-se aqui também um processo gradual de desmielinização - a camada de substância branca é atacada pelas células inflamatórias, ficando cada vez mais finas e tornando cada vez mais difícil o seu papel de transmitir os impulsos eléctricos. Nos casos mais sérios, pode ocorrer mesmo um bloqueio dessa informação e a destruição de fibras nervosas.
Perder o controlo do corpo
A esclerose múltipla afecta pessoas de todas as idades, mas é normalmente entre os 20 e os 40 anos que se manifestam os primeiros sinais.
A partir daí a evolução da doença é muito variável, dependendo da gravidade da inflamação e do ritmo a que a mielina se deteriora. Há sintomas que vão e vêm, sem razão aparente: são os surtos, seguidos de períodos de remissão. Nalguns casos, há um regresso completo ao estado anterior, noutros há sintomas que persistem durante várias semanas. E há ainda situações que se caracterizam por uma progressão gradual dos sintomas, com uma perda igualmente gradual do controlo sobre as funções do corpo, sem que se observem melhorias.
Perder o controlo do corpo é, de facto, a característica externa mais evidente da esclerose múltipla. Em consequência da dificuldade ou bloqueio na passagem da informação em determinados circuitos nervosos, há funções que vão sendo afectadas - a visão, o equilíbrio e a locomoção são das funções mais prejudicadas.
Com frequência ocorre inflamação do nervo óptico, o que causa visão turva e embaciada, mas também dor, sobretudo quando se roda o olho. Os dois primeiros dias são mais críticos, tendendo a inflamação a desaparecer após várias semanas, embora a recuperação não seja completa. É por isso que, num quadro de stress, de cansaço ou de febre, a visão pode turvar-se novamente, sem que isso corresponda a novo surto de esclerose múltipla.
A função motora é uma das principais vítimas desta doença, o que se explica pelo facto de o sistema nervoso conter um grande número de fibras que controlam os movimentos.
O que acontece é que há uma perda da força muscular nos braços e nas pernas, a qual pode oscilar entre dificuldade em mover os dedos até à paralisia. Pode mesmo não haver possibilidade de recuperação. Os membros inferiores são mais afectados, pelo que é comum o recurso a auxiliares de marcha (uma bengala, muletas ou até cadeira de rodas).
Agarrar pequenos objectos pode ser uma tarefa árdua para os doentes escleróticos: este cenário significa que a inflamação se instalou no cerebelo, a parte do cérebro que controla o equilíbrio e a coordenação de movimentos. Resultado: as mãos tremem, os passos são atabalhoados.
E quando são danificadas as fibras nervosas que comandam o tacto é como se houvesse uma sensação de encortiçamento nas pernas, parecendo que se caminha sobre algodão. Formigueiro, picadas, corpo dormente são outras das consequências possíveis.
Entre os músculos afectados pontuam os da bexiga e dos intestinos, dois órgãos que estes doentes têm dificuldade em controlar. Assim, sentem com frequência aquilo a que se chama urgência urinária - a necessidade de expelir a urina aos primeiros sinais de que a bexiga está cheia. E, como têm pouca mobilidade, podem sofrer também de obstipação.
A dor acompanha a esclerose múltipla: nos músculos das costas e das pernas, devido à dificuldade em caminhar, nas pernas e nos braços devido à contractura dos respectivos músculos, bem como na face.
Fadiga, dificuldades em pensar e em recordar, alterações de humor e disfunções sexuais completam este quadro de sintomas da esclerose múltipla.
Viver com a doença é possível
A esclerose múltipla é uma doença crónica, o que significa que é para a vida. Não tem cura, mas não é fatal.
O tratamento existe e permite lidar com os surtos, embora não faça regredir a doença. Entre os medicamentos mais usados incluem-se os corticosteróides, devido à sua capacidade para combater a inflamação.
Têm, no entanto, efeitos secundários e não são adequados a todos os surtos.
Há mesmo alguns que requerem apenas repouso e paciência até que os sintomas diminuam.
Mais recentes são os interferões, proteínas libertadas pelo corpo quando ocorre uma inflamação e que contribuem, nomeadamente, para reduzir a inflamação. Diminuem, pois, a probabilidade de surtos, bem como a gravidade dos mesmos, além de atenuarem os danos na mielina.
O tratamento passa também por actuar sobre os sintomas específicos da esclerose múltipla, tais como o cansaço, a rigidez muscular, as alterações do tacto, as disfunções urinárias ou os problemas intestinais.
E é complementado com alguns cuidados que os doentes podem adoptar.
Assim, o repouso é essencial, de forma a poupar os músculos. Quem sofre de esclerose múltipla sabe que há dias em que qualquer esforço, por mínimo que seja, é sentido como hercúleo. E sabe também que a exaustão, tanto física como mental, pode contribuir para agravar o seu estado. Estes doentes devem, pois, ter consciência das suas limitações e não tentar ultrapassá-las.
Por ser uma doença de evolução imprevisível, a esclerose múltipla é geradora de muita ansiedade. Não raro os doentes deixam-se cair em depressão ou tornam-se intolerantes e agressivos para com os próximos.
Não raro também fogem do convívio social, isolando-se, porventura envergonhados pelo estado de dependência em que vão ficando.
A instabilidade comportamental mina as relações familiares e sociais, conduzindo, por vezes, a situações de um isolamento total. Daí que sejam aconselhados a procurar apoio ao nível da psicoterapia, daí também que as associações que os representam prestem aconselhamento às famílias e demais cuidadores. Pode ser difícil lidar com a esclerose múltipla, mas é possível e desejável não ceder às limitações que a doença impõe.
Fonte: FARMÁCIA SAÚDE