Os alimentos são os principais responsáveis pelas tão conhecidas intoxicações alimentares. A gastrenterite, por exemplo, é um tipo de intoxicação muito comum. Em Portugal, apesar de ser um país civilizado e onde se verificam cuidados de saneamento que diminuem este tipo de infecções, as gastrenterites provocadas por bactérias patogénicas para os intestinos continuam a afectar muitos portugueses.
E se aos adultos é difícil suportar os efeitos desagradáveis, dolorosos e incomodativos de uma gastrenterite, como se sentirão as crianças?
É evidente que nas escolas ou nas colónias de férias o risco de os mais pequenos contraírem gastrenterites é acrescido, desde logo pelo facto de os alimentos serem frequentemente preparados muito tempo antes do seu consumo, sujeitos ao calor intenso do Verão. Sempre que se realizam piqueniques, os lanches vão já preparados e, por vezes, com o acondicionamento desadequado para a temperatura própria da época.
A Dr.ª Maria Celeste Barreto, pediatra, começa por indicar os alimentos que são considerados mais perigosos e que, por si só, apresentam maior risco de contaminação:
«São exemplo os ovos, o queijo fresco, o leite, o fiambre e todos os alimentos enlatados que, depois de abertos, não são consumidos de imediato e que desenvolvem mais rapidamente bactérias, que depois vão ser patogénicas. Dever-se-á ter especial atenção aos bolos com natas e chantilly: cuidado com o tempo que decorre entre a confecção e a ingestão destes pelas crianças nos seus passeios ou piqueniques.»
Um dos inconvenientes dos piqueniques prende-se com o facto de se realizarem em parques com grandes arvoredos e lagos, onde habitam, naturalmente, inúmeros insectos e variados microorganismos, susceptíveis de contaminar os alimentos que não estejam devidamente tapados ou protegidos.
Outro aspecto importante que a especialista salienta são as comidas não cozinhadas, por exemplo, as saladas. Verduras e vegetais que não sejam sujeitos à fervura e/ou cozedura e que, se não forem devidamente lavados com água e lixívia ou água com vinagre, poderão também estar contaminados.
Segundo a pediatra, «é importantíssimo que as pessoas não se esqueçam de lavar as mãos antes de manipular qualquer alimento, isto porque são um bom meio de transmissão de bactérias». Nas creches ou colégios, «quando existem casos de gastrenterites virais, a transmissão é feita muitas vezes desta forma. Ao mudar-se a fralda a uma criança sem depois lavar as mãos corre-se o risco de transmitir negligentemente a virose. Esta é uma das principais medidas higiénicas na prevenção deste tipo de infecções: lavar as mãos antes de manipular alimentos, antes de qualquer refeição e após a ida ao quarto de banho».
Evitar a desidratação
Tal como nos adultos, a gastrenterite nas crianças pode manifestar-se de várias formas, sendo os mais comuns os vómitos e a diarreia. Muitas vezes, os vómitos precedem o quadro da diarreia. Só depois é que são evidentes as alterações das fezes, que são, nestes casos, mais fétidas do que habitualmente.
Para Celeste Barreto, «estes sintomas são, regra geral, controláveis. No entanto, há situações em que a criança pode desidratar por vómitos incoercíveis, que surgem acompanhados pela diarreia. Há uma perda enorme de água e de electrólitos que origina quadros de desidratação. Em alguns casos é necessário o internamento da criança, para que se possa controlar a desidratação e todo o desequilíbrio que depois acompanha estas situações».
Que cuidados se deve ter para evitar a desidratação da criança?
De acordo com a pediatra, «o primeiro cuidado a ter após o aparecimento dos vómitos é não forçar a alimentação, isto é, os alimentos sólidos, pois podem não ser bem tolerados. Numa primeira fase, de forma a equilibrar os vómitos, deverá oferecer-se líquidos, nomeadamente chá preto (o mais comum), fraco, açucarado e frio, sempre em pequenas quantidades, já que o estômago da criança pode não tolerar uma quantidade excessiva de líquidos. O esforço de ingestão originará um quadro de vómitos bastante difíceis de controlar por via oral e só depois controláveis pela via endovenosa».
Para Celeste Barreto, «tem de se oferecer primeiro os líquidos e só depois os sólidos: coisas leves, papas, iogurtes naturais, sopas simples, e também leite, se não houver intolerância aos açúcares do leite que, por vezes, surgem nas gastrenterites mais prolongadas. Pode-se dar água à criança, no acompanhamento dos líquidos ou sólidos. Caso haja rejeição da ingestão imediata de sólidos, dever--se-á voltar a insistir nos líquidos. Poder-se-á sempre optar por bebidas de maior aceitação nas crianças e jovens, como é o caso dos chás já feitos, em pacote, que normalmente têm um sabor mais agradável».
Outros sintomas
Quando há febre – um sintoma frequente dos quadros de gastrenterite – é necessário controlar o quadro clínico com antipiréticos habituais. Geralmente, os pais ou educadores de infância estão preparados para fazer esta terapêutica sem qualquer risco.
«É evidente que os quadros de gastrenterite originam nas crianças cólicas abdominais bastante incomodativas e que, por vezes, são acompanhadas de uma palidez muito acentuada. Na realidade, a criança fica pálida de resposta àquela dor tão forte. Quando a dor precede o vómito e parece que a criança vai desmaiar, estamos perante uma crise vagal – a criança fica muito branca, parecendo que vai perder todas as forças – nesta altura, basta fazer o tal chá açucarado para estabilizar a situação», diz a especialista, acrescentando:
«Em relação ao tratamento desta patologia, pode ser feito no domicílio ou na colónia de férias pelos responsáveis, sem ter de se recorrer de imediato ao hospital. Analisando a gastrenterite como uma ferida da mucosa do intestino, há que dar um certo tempo para que ela possa, de algum modo, cicatrizar.»
Em termos de tratamento médico, por regra, os antibióticos não estão indicados. Há, inclusive, situações de gastrenterite por salmonela que contra-indica antibióticos, pois pode prolongar o tempo de permanência das bactérias no intestino.
«Uma vez controlada a situação, geralmente, não ficam sequelas e depois as crianças recuperam. É, no entanto, conveniente fazer o estudo da origem da intoxicação alimentar: se foi na creche, na colónia de férias ou noutros locais e qual terá sido o foco infeccioso que originou a gastrenterite. Há, também, os inquéritos feitos pelas autoridades sanitárias para se chegar à conclusão de qual foi o agente patogénico que esteve na sua origem, qual foi o alimento contaminado», indica Celeste Barreto.
A ocorrência de surtos requer uma notificação imediata às autoridades de vigilância sanitária para que se desencadeie a investigação das fontes de contaminação e igualmente o controlo da sua transmissão através de medidas preventivas.
Cuidados essenciais
É fundamental a informação, formação e educação dos responsáveis e educadores de infância, no que respeita às situações de risco, aos factores de influência, aos meios de transmissão e às medidas de prevenção.
Há que ter especial atenção quando os destinos de férias são fora do meio habitual, sobretudo se as escolhas recaem sobre países tropicais e não se tem a certeza que a água canalizada é devidamente tratada. Todavia, é preferível beber água engarrafada e, principalmente, não colocar gelo.
«Muitas vezes, as pessoas têm imenso cuidado em oferecer água engarrafada às crianças e mesmo para consumo próprio, e utilizam gelo que foi feito com água cuja origem se desconhece», refere a pediatra.
Há que ter também especial atenção aos banhos que se tomam em locais com águas paradas
– um óptimo local para o desenvolvimento de bactérias, fungos e outros microorganismos que podem ser verdadeiros potenciadores de futuras infecções patogénicas, às quais as crianças estão mais facilmente expostas.
Informações úteis
Tipos
- Intoxicação por salmonela
- Intoxicação por clostrídios
- Intoxicação por estafilococos
Situações frequentes de intoxicação alimentar nas crianças
Países tropicais.
Medidas preventivas
• Protecção e acondicionamento dos alimentos;
• Evitar estes banhos;
• Consumo rápido dos alimentos;
• Consumir água engarrafada e evitar o gelo.
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